Vetusta Morla: a despedida que faltava

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A banda madrilena de indie rock Vetusta Morla, lançou no fim de maio o seu mais
recente álbum chamado “Figurantes”. Tive o privilégio de o ouvir em Madrid, na semana
seguinte, no concerto que a banda deu no Anfiteatro Romano, no Auditório do Parque Enrique
Tierno Galván, ao lado do Planetário da cidade.
Geralmente não gosto de ler críticas de livros, de filmes e de música. Gosto de viver e
de falar dessas expressões artísticas, mas confesso que tenho pouca paciência (ou mesmo
nenhuma) para ler o que é que se escreve nos jornais sobre arte no geral. A acrescer a este
desdém estão as irritantes estrelinhas que habitualmente acompanham as críticas, como se
houvesse uma espécie de superioridade dos críticos que lhes permita reduzir a figuras, em forma
de estrela, o que os artistas pensaram, sentiram e acabaram por exteriorizar nas várias dimensões
da arte a que se dedicam.

Mesmo assim, e ainda que entrando em contradição com o que acabei de dizer, vou
discorrer nas próximas linhas sobre um álbum que eu própria seria incapaz de compor, de tocar
ou cantar. Tentarei, contudo, fazê-lo apenas e só na perspetiva de pessoa que ouviu, que sentiu
qualquer coisa e sem estrelas – o que acaba por me ilibar da acusação de pretensões técnicas. Ou
seja, vou escrever apenas como fã

Há eventos da nossa vida que, no grande plano do tempo que é a nossa vida no seu todo,
não têm importância alguma, mas que – por qualquer motivo – nos ficam gravadas na mente e
nunca mais nos conseguimos esquecer deles.

Um desses momentos foi quando ouvi pela primeira vez uma canção dos Vetusta Morla,
a “Consejo de Sabios”, que faz parte do álbum “Mismo Sitio, Distinto Lugar”. Andava à procura
de bandas que cantassem em língua espanhola, dentro do género de música que geralmente
ouço, para aprender e compreender melhor a língua. Por sorte ou por mero acaso a primeira
canção que escolhi foi esta. Recordo-me que já era noite, recordo-me do local e recordo-me do
arrepio na espinha que senti quando o vocalista (Juan Pedro Martín, mais conhecido por
“Pucho” – a quem recentemente o jornal El Confidencial dedicou a manchete: “Pucho, de
Vetusta Morla: la discreta vida privada del rey del indie español”), às tantas no decorrer da
canção, na sua voz melodiosa, pouco grave e absolutamente inconfundível, ecoa:
“Y rodé
Y rodé
Cómo resbalan los años
Lo intenté
Lo intenté
Hoy tu silueta es un pájaro
Que bate sus alas
Detrás de mi
Mi silba y enreda mis pasos”

O maior impacto da poesia e da literatura nem sempre está nas mais elaboradas
conjugações de palavras ou nas mais habilidosas ideias. Tanto assim é que, para mim, a
expressão “[c]ómo resbalan los años”, na voz de Pucho, foi como que uma tomada de
consciência, que teria repercussões em algumas das decisões que tomei naquele período
particular da minha vida.


Este fator de pessoalidade com que vejo a arte – acabo por perceber – é o que me
demove da leitura de críticas de arte: a não ser que seja num contexto académico, científico,
histórico ou técnico, que interesse tem escrever sobre a arte dos outros sem lhe dar um cunho
pessoal, sem dizer o que significou para nós – o recetor? Não é disso que andamos todos à
procura: da aproximação e da empatia uns dos outros? Afinal não é isso o que é a arte, a procura
de nós próprios nos outros e, com sorte, descobrirmos através dessas expressões recantos da
nossa mente, do nosso íntimo, que desconhecíamos?

Este novo álbum vem na sequência de a banda ter anunciado que, após mais de duas
décadas de existência, no fim dos concertos deste verão irá fazer uma pausa até 2026. Nisto das
pausas das bandas, há sempre o medo de que não seja verdadeiramente um interregno, mas o
seu fim definitivo.

Parece existir, de facto, uma certa despedida nestas canções, marca disso é a forma
como, por exemplo, nos seus últimos segundos muda a tonalidade da nona faixa, “La Derrota”,
cuja memória me remete para o último álbum gravado em estúdio dos Queen, “Innuendo”.
Porventura não terei sido a única a ter este pensamento quando, a meio do concerto, o silêncio
do público se sentiu quando tocaram esta canção – o que é de relevar pois, como sabe qualquer
pessoa que já tenha assistido a concertos em Espanha, silêncio do público é uma inexistência até
nas mais nostálgicas baladas (o que me fazia muita confusão há uns anos, até reconhecer que
parte de nos integrarmos num qualquer ambiente é aceitar a forma de expressão das pessoas,
enraizada na cultura em causa). Algures no terceiro minuto e depois de Pucho ter
cantado:“[d]errota es no tener / Tierra donde echar nuestras cenizas”, o ritmo diminui e a voz
dá lugar ao baixo acompanhado da bateria, sendo o protagonismo da melodia assumido pelo
solo da guitarra que, enquanto vai fazendo o seu percurso autónomo, a velocidade do ritmo da
bateria vai aumentando e, em crescendo, a voz assume novamente o protagonismo para, a final,
concluir “[p]ero a veces la derrota saca pecho y luce / firme y orgullosa / Y te ayuda a seguir /
Y te saca de aqui”.

Eu não sei a que derrota se está a referir a canção. A minha interpretação é que a derrota
– o que quer que aconteça de mau, de trágico, de dramático – é, por vezes, um trampolim para
uma etapa que, não sendo necessariamente vitoriosa, pode conduzir a um destino para o qual o
nosso percurso inicial não nos levaria sem essa derrota. Ideia que associo ao Bob Dylan do
início da sua carreira: à ideia de nos depararmos com uma crossroad – nesses momentos, as
escolhas que tomamos, muitas vezes impreparados e inconscientes, definem o curso da nossa
vida para sempre.

Antes de lançarem o álbum completo, dois singles foram disponibilizados nas
plataformas de streaming, dos quais destaco “Puentes”, que começa assim:
“Los puentes que nos unen
No están hechos de madera
Nunca arden, no calapsan
No los hundirán com piedras”

No concerto em Madrid, igual a si próprio, Pucho alterou a parte final do verso para:
“[n]o los borrarán las guerras / Ni verán Palestina em ruinas”. Num outro concerto a que
assisti no ano passado, tinha-se dirigido ao público como “[t]odos, todas y todes”. A tomada de
posição política dos artistas ou dos desportistas, no geral, não me causa confusão em qualquer
contexto. Seria, aliás, algo hipócrita, se não visse com bons olhos a tomada de posição de
bandas atuais, mas ouvisse com gosto as músicas “de protesto” do próprio Bob Dylan (que
idolatro) e, em particular, de Joan Baez, no início dos anos 60 do século XX, contra a guerra do
Vietname. No polo oposto dessa tomada de posição contra a guerra do Vietname, e com muito
gosto, leio a (saga) biográfica que Robert A. Caro escreveu, e ainda está a escrever, sobre
Lyndon B. Johnson – um homem contraditório, complexo, oportunista, ambicioso e, por vezes,
idealista, sobre quem o autor da sua biografia escreve no primeiro volume (“The Years of
Lyndon Johnson: The Path to Power”):
“What led him, already working endless hours a day, seven days a week, on the affairs of his
own district, to add to that crushing load hours on the affairs of other districts, affairs that he
could so easily have respectfully referred to others? He never said. His energy and his talent,
the talent that was beyond talent and was genius, were at the service of some hidden but vast
ambition. And no one knew what it was.”
E que dizer do discurso que fez ao Congresso, no fim de novembro de 1963, logo após o
assassinato de JFK? Aconselhado por todos a não se pronunciar sobre o projeto de lei dos

Direitos Civis, num país marcado pela segregação racial, teve a ousadia de discursar com a sua
voz forte e autoritária:
“We have talked long enough in this country about equal rights. We have talked for a hundred
years or more. It is time now to write the next chapter, and to write it in the books of law.”
Este é o mesmo presidente que insistiu em continuar com uma guerra que mataria
milhares de jovens norte-americanos no Vietname. Facto que ofuscou os seus feitos anteriores, o
tornou uma figura extremamente impopular e fez com que fosse um dos poucos presidentes na
história recente dos Estados Unidos a não concorrer a um segundo mandato: Joe Biden, que
muitas vezes é comparado a Johnson pela sua capacidade de se mover no Senado, certamente
estará a pensar nele nestes dias.

Da mesma maneira não me incomoda quando pilotos de Fórmula 1 utilizam a sua plataforma
para reivindicarem direitos para as causas políticas que lhes são caras – o que aconteceu com
frequência com Sebastian Vettel e continua a acontecer com Lewis Hamilton. Porquê deixar a
política só para os políticos? No fundo é essa a minha posição sobre este tópico, quer concorde
ou não com o que está a ser defendido.
Esta despedida da energia, da musicalidade, do lirismo de Vetusta Morla, em Madrid
(cidade que é o tema da segunda faixa de “Figurantes” – na qual se ouve: ““[l]levo mil vidas
atrapado em Madrid / En el margen de sus páginas”), foi inesperada, talvez seja definitiva e,
sobretudo – para mim – foi a despedida que faltava.

Artigo da autoria de:
Isabel Arantes | Mestre em Direito da Empresa e dos Negócios e Pós-graduada em Direito Intelectual | Advogada na JPAB | linkedin.com/in/isabelarantes

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