Os processos de exclusão experienciados pelas comunidades ciganas e como a educação poderá alterar estes cenários.

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Ana Barroso é técnica superior de Serviço Social no Agrupamento de Escolas Cego do
Maio, na Póvoa de Varzim. Mestre em Serviço Social pela Universidade Católica
Portuguesa, em 2015, desenvolveu uma dissertação tema a autonomização da mulher
cigana. Em 2019, a sua dissertação foi considerada uma das duas melhores teses de
investigação na área social, vencendo o 1.º Prémio David de Oliveira Martins, vendo
assim, publicado o livro “Sina da mulher cigana? Um complexo processo de
autonomização”. Desde então, a sua vida profissional é dedicada a combater o abandono
escolar, com vista ao sucesso escolar, por parte dos alunos de etnia, assim como, a
integração social da minoria étnica.
Na semana em que se celebrou o dia internacional da educação, a Ana aceitou responder a
algumas questões que lhe colocamos, sobre os processos de exclusão experienciados
pelas comunidades ciganas e como a educação poderá alterar estes cenários.


Parece evidente que as comunidades ciganas são, socialmente, excluídas. Quais as
áreas em que a Ana considera que a exclusão social se faz notar de forma mais
persistente?

R: De entre todos os cenários em que os ciganos são excluídos socialmente, destacam-
se a procura de emprego e o acesso à escola, as condições de habitação e de saúde.
Focando a nossa atenção no âmbito escolar, a escola é a instituição em que os
confrontos entre culturas e valores minoritários são mais evidentes. Isto acontece porque
a escola propõe uma missão socializadora que não é, de modo algum, neutra ou flexível.

Quais os principais motivos para que considere a escola um local de exclusão?
R: A discriminação e exclusão dos ciganos na escola acontecem, muitas vezes, pelo
facto de se concentrarem apenas crianças ciganas na mesma turma, levando a que
tenham de lidar com uma certa discrepância de idade, sendo que as mais novas
ultrapassam por vezes as mais velhas nas tarefas académicas. Este processo dá origem à
interiorização de uma certa inferioridade, que leva a um pique negativo na autoestima
pessoal e social das crianças. Depois, temos outras questões como a comunicação entre
a escola e a família é, muitas vezes, conturbada, principalmente quando ocorrem atritos
entre crianças ciganas e não-ciganas. Alguns docentes, partilham, muitas vezes, um
conjunto de estereótipos em relação às famílias ciganas e estas, por sua vez, são também
portadoras de estereótipos relativos à instituição escolar. A escola ainda é vista como
uma instituição da sociedade maioritária, mantendo-se uma relação de suspeição e
temor que agudiza os problemas.

Como é que no seu dia-a-dia, enquanto profissional, tem combatido a
discriminação e exclusão dos ciganos nas escolas?

R: É um processo moroso. Temos que trabalhar as partes, individualmente, e depois em
conjunto. Em relação à população escolar, docentes e não docentes, o meu trabalho
passa pela capacitação de conhecimentos sobre História e Cultura cigana, através de
sessões de formação/informação. Trabalho a mediação da relação escola-família,
família-escola.
Com os agregados familiares, trabalho a relação de confiança com a instituição escolar.
Um exemplo de sucesso neste âmbito foi levar os adultos de etnia até à escola, durante
dois meses, realizaram uma ação de formação, protocolada com o IEFP, dentro da
escola que os seus filhos frequentam. Esta dinâmica foi importante porque, os ciganos
consideram a instituição escolar como uma ameaça às aspirações que nutrem para o
futuro dos seus filhos. Temem que a escola possa provocar um desvio ou uma
contradição relativamente àquilo que é transmitido no seio da comunidade. Assim,
conseguiram, durante o tempo em que decorreu a formação, observar, no local, o que
acontece para lá dos portões da escola. Por seu turno, estando os adultos ocupados em
formação, as crianças não têm motivos para faltar.

Que balanço faz, até ao momento, do seu trabalho enquanto técnica social na
integração, das comunidades ciganas, na sociedade maioritária?

R: Posso considerar que, tendo em conta os dados escolares do ano letivo transato.
2021/2022, no que diz respeito à integração em ambiente escolar o balanço é muito
positivo. Dos 36 alunos de etnia com quem trabalhei duramente o ano letivo, 3
atingiram a maioridade e, por consequência, saíram da escola, 1 foi transferido de
agrupamento de escolas e apenas 2 reprovaram por faltas. Os restantes 30 alunos de
etnia obtiveram sucesso escolar. Estamos a falar de alunos que passaram por anos de
absentismo escolar ou com assiduidade muito irregular. No início deste ano letivo,
2022/2023, todos os encarregados de educação dos alunos de etnia estavam presentes na
primeira reunião de pais, muitos deles, pela primeira vez.
No que concerne às restantes áreas de vida em que as comunidades ciganas sentem a
exclusão social, faço, diariamente, um trabalho em rede, com as entidades que estão
envolvidas nos processos de vida dos agregados familiares que acompanho, como é o
caso das equipas técnicas de RSI, Habitação social, CPCJ, entre outras. E vamos, a
longo prazo, colhendo os frutos de um trabalho árduo, mas, com resultados positivos.
Contudo, isto não é suficiente, são necessárias intervenções ao nível das políticas de
integração das minorias étnicas e os responsáveis pelos processos de integração pugnem
ainda mais pela implementação de uma política de integração de cariz mais global. Não
basta investir em projetos centrados apenas na comunidade cigana. De facto, é
necessário intervir junto dos seus membros, de forma a agilizar uma real integração
social, potenciando mudanças sem deixar de ter em conta as especificidades culturais.
Mas isso não basta. É fulcral apostar na formação de uma sociedade maioritária que
continua a colocar de parte aqueles que são diferentes. Não basta apostar na formação se
não houver oportunidades de emprego na área ou em áreas semelhantes ou qualquer
abertura das entidades empregadoras. É fundamental criar oportunidades reais de
trabalho e de integração..

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