O trovador barcelense

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Para terminar a licenciatura em Gestão de Atividades Turísticas foi necessário a realização de um projeto, onde me foquei no turismo literário aplicado ao caso de Barcelos.  No meio de livros e artigos descobri um facto muito curioso… Eu não fazia ideia, e creio que muitos de vocês também não sabem, mas primeiro é necessário contextualizar.

Durante os séculos XII e XIV, na Europa Ocidental, houve um movimento poético-musical de grande prestígio – o trovadorismo. Os trovadores, portanto, as pessoas que exprimiam as cantigas, foram um meio expressivo de uma sociedade que se encontrava oprimida pelo feudalismo (sistema político, económico e social que prevaleceu na Europa Ocidental durante a Idade Média), pela realeza e pela religião. A poesia rapidamente se tornou numa poderosa arma. 

As composições líricas trovadorescas mais conhecidas são as cantigas do amigo, que compõem um género popular magnifico, uma vez que são cantadas em prol do contexto cultural português da Idade Média, refletindo nos modos de vida e visões das pessoas. E depois há as cantigas do amor, em que uma figura feminina reflete nas composições poéticas. Na cantiga de amor, o trovador fala em seu nome próprio, e na cantiga de amigo supõe-se que a fala seja de uma mulher, pois o trovador quer transmitir uma perspetiva do lado da mulher e a partir daí, elabora o seu poema como sendo uma narradora.

Uma das maiores provas do trovadorismo em Portugal é a obra poética de D. Dinis, um rei trovador de Portugal e um grande impulsionador da cultura portuguesa. Foi o mais produtivo compositor das cantigas de amigo da sua época.

Não obstante, houve, de facto, trovadores que se tornaram demasiado bons nesta arte. Falo então do trovador João Garcia de Guilhade.

Mas afinal, quem é o João Garcia de Guilhade e o que ele tem a ver com Barcelos?

Bem, João Garcia de Guilhade foi, em tempos, um português oriundo de Guilhado, uma pequena zona que pertencia à freguesia de Milhazes, no concelho de Barcelos. Devido a isso, uma rua de Barcelos obteve o seu nome, mais especificamente em Milhazes, onde se localiza o lugar do Guilhado.  João Garcia de Guilhade foi pai de quatro filhos, sendo que dois dos seus filhos foram Estêvão Anes (um cavaleiro de Portugal) e Pêro Anes. Era um trovador vilão, porque se situava entre a nobreza e as restantes classes sociais, posicionando-se como um dinamizador cultural ideal para uma manipulação dos dois lados: um exemplar fidalgo e um contraventor parodiante.

Um ponto curioso é que Guilhade era um dos poucos poetas trovadorescos que se nomeava nas suas próprias obras, e quando o fazia usava o nome de Guilhade, ou João de Guilhade, ou Dom João de Guilhade, ou até Dom João Garcia.

Foi um trovador hábil e com casa própria. Era também muito engenhoso, tinha uma boa facilidade técnica e um bom sentimento poético para a época. João Garcia de Guilhade foi um dos melhores trovadores do século XIII. Era original e ousado, e sendo tão talentoso acabou por se introduzir na casa do rei. Estando em vantagem para estabelecer contactos com as várias classes sociais. É por isso que nas suas cantigas de escárnio aponta relações menos favoráveis e fazia sátiras às pessoas.

Além de poeta trovador era também um cavaleiro que se deslocava com frequência, inclusive para fora das fronteiras de Portugal.  Contudo, sendo alguém que se deslocava muito era difícil estabelecer sentimentos com determinadas terras, todavia, Guilhade privilegiava Barcelos, em especial Faria, local onde escolheu criar os seus filhos. Vejamos um excerto:

D’aqui vej’ eu Barcelos e Faria,[1]

e vej’as casas u já vi alguen,

per bõa fe, que me nunca fez bem!

Deixou uma vasta obra, conservando-se cerca de 53 textos da sua autoria. 

Ora, sendo o concelho de Barcelos, berço de um dos mais notáveis trovadores portugueses, a sua existência deveria ser mais valorizada. Como barcelense, por exemplo, nunca vi uma referência a este poeta. João Garcia de Guilhade integra-se na cultura e memória de Barcelos.

Então, porque não, talvez um dia, haver em Barcelos batalhas trovadorescas das cantigas de Guilhade?!


[1] Cantiga disponível em: https://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=403&pv=sim

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