Hoje queria aqui defender o uso de linguagem simples.
Depois de uma pausa bem mais longa do que a que eu desejaria, cá volto para vos falar da nossa língua: aquela que todos os dias nos permite comunicar.
Sim, quero fazer a apologia do uso de palavras e frases acessíveis a qualquer pessoa. Claro que podemos adequar o nosso discurso à audiência, mas, ainda assim, vou sempre preferir um uso que seja acessível e que não deixe ninguém a sentir-se desadequado. E para chamar “os bois pelos nomes”, pretendo com este texto mostrar o meu desagrado com qualquer forma de pedantismo e snobismo.
Há dois motivos que me levam a esta posição. Para os clarificar, vou recorrer a dois exemplos da vida real:
1º exemplo:
Há poucos dias, numa conversa entre mim e um senhor de uma loja, e enquanto tentávamos encontrar uma solução para um pequeno problema, diz-me ele:
– Esta é a minha ideologia. O que é que acha, fazemos assim?
Eu confesso que mordi a língua para não o corrigir e mordi novamente quando ele repetiu a frase.
Numa tentativa de parecer erudito e bem-falante, o senhor confundiu ideia com ideologia. Vejamos as diferenças:
Ideia = Pensamento; plano; intenção.
Ideologia = Conjunto de ideias, convicções e princípios de um indivíduo, de um grupo, de uma época ou de uma sociedade.
Usei este exemplo porque ilustra bem o que vemos acontecer frequentemente: pessoas que escolhem usar aquilo que entendem ser “palavras caras”, em vez de usarem as palavras básicas e simples que já conhecem. As ditas “palavras caras” são interessantes e podem enriquecer e muito o discurso, mas somente se tivermos certeza absoluta do seu significado. O facto de ter um som parecido com outra, não significa que o seu sentido seja similar (tal como acontece com ideia e ideologia).
2º exemplo:
Há uns meses, uma amiga deu-me a ler um artigo, acerca do qual ela pedia a minha opinião. Li. Voltei a ler. E depois voltei a ler uma terceira vez. As estruturas e as palavras usadas pelo autor do texto faziam com que os significados fossem de muito difícil compreensão. Para ser sincera, algumas das frases acabavam a perder sentido, tal era a forma rebuscada com que escrevia. No final, percebi que a minha colega não queria a minha opinião acerca das ideias do texto, mas sim acerca da forma como ele foi escrito. Também ela sentia que textos desses não deveriam nunca ser publicados numa coluna de jornal, que deverá ser acessível a todos os leitores.
E se numa coluna de jornal é absurdo um texto assim, não deixa de o ser também no meio académico. Os textos académicos, defendo eu, deveriam manter um nível mínimo de acessibilidade. De que serve o conhecimento e o saber se ficar reservado a uns quantos (muito poucos) capazes de o ler e de o compreender.
Bem sei que há temas que precisam de profundidade e complexidade na sua exploração para poderem ser deveras trabalhados, mas isso não significa que devam ser ainda mais complexificados só para que o autor se sinta parte de uma elite ou um “iluminado”.
Há poucos dias, o destaque de uma entrevista a Isabela Figueiredo, uma excelente escritora da atualidade, era o seguinte: “Quero fazer uma boa literatura. Não quero fazer uma literatura para elites” (negritos acrescentados por mim). Apesar de não ter conseguido ler a entrevista na íntegra, por não ser assinante da publicação, concordo em absoluto com esta ideia: uma comunicação de qualidade, na escrita ou na oralidade, não tem que ser rebuscada a ponto de ser compreendida apenas por uma elite.
Resumindo: se aliarmos a correção à simplicidade, a comunicação será perfeita e, cereja no topo do bolo, inclusiva.
Já sabem, se entretanto tiverem sugestões de temas a abordar ou dúvidas que gostassem de ver esclarecidas nesta rubrica, enviem e-mail para helenabarreto77@gmail.com, que é a versão atual e possível de se tiverem dúvidas, levantem o braço!
Helena Barreto Ferreira
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