Dormir com o inimigo… na mesma cama!

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Quando ligamos a televisão, vemos diariamente nas crónicas criminais casos de violência doméstica, tanto vividas por homens como por mulheres. Infelizmente, as mulheres são sempre a maioria. Infelizmente, muitas mulheres são assassinadas pelos companheiros, que as deviam proteger e amar. Anos de sofrimento e anos de desamor. Porquê?

Como escritora, mulher e mãe, aproveito este tempo de antena, que o jornal online Notícias do Cávado me disponibiliza, para escrever as minhas crónicas, onde falo de um tema tão castrador ligado à felicidade. Dizem que o amor é cego e surdo. Acredito que sim, porque a paixão faz-nos acreditar que encontramos o príncipe encantado. Desvalorizamos os sinais (verbais e não verbais) e entregamo-nos de corpo e alma àquele homem que nos parece perfeito.

Casada há 25 anos, felizmente, nunca vivi a violência doméstica, tanto da forma verbal como física. Para escrever com veracidade o tema no meu recente livro “Por detrás do espelho” procurei testemunhos, que me inspirassem a relatar com verdade toda a crueldade que muitas mulheres vivem dentro de casa. O verdadeiro inferno.

No meu livro chamei Lurdes (nome fictício) à personagem principal que viveu, durante mais de 20 anos, o que é estar nas mãos de um monstro narcisista, egocêntrico e desnutrido de carinho e amor.

Durante o tempo de namoro, ele parecia ser o homem perfeito. No dia do casamento, começou a revelar-se um homem controlador, arrogante, narcisista e antipático. Começou com uma estalada, depois vieram os empurrões, os palavrões e os puxões de cabelo. Batia e resmungava por tudo e por nada, com razão ou sem razão. Estava sempre mal-humorado e descarregava toda a raiva na mulher, a quem ele desprezava e humilhava. Tratava-a como um objecto, do qual ele tinha total propriedade. Carinho e compreensão eram atitudes que ele desconhecia.

A mulher era a sua propriedade, tanto para o satisfazer sexualmente, como para tratar da casa e dos filhos. Ah! E era a sua fonte de rendimentos, sendo que ele controlava todo o dinheiro. Ela ganhava e ele gastava.

Todos os dias, o ambiente em casa era de “cortar à faca”. A mulher e os filhos mal entravam em casa, já sabiam o que os esperava: humilhações, violência verbal e física e medo. Muito medo. Depois vinham os bilhetes a pedir perdão e a dizer que fora a última vez que lhes batia.

– A última vez o caralh#.

Foram milhares de vezes.

A “Lurdes” contou-me que ele começou a afastá-la da família e dos amigos. Uma das dificuldades reais da vítima é o facto de não ter acesso ao dinheiro, pois mesmo que queira sair de casa é difícil, principalmente com os filhos pequenos a precisar de tantos cuidados. Viver para onde? Com que dinheiro? Começar do zero? A culpa também é minha? Amanhã vai ser melhor?

Ela contou aos pais o inferno que era estar casada com aquele monstro, e teve uma resposta inesperada:

– É uma vergonha ter uma filha separada!

F#da-se. Uma vergonha? No século passado talvez esta situação fosse generalizada, mas atualmente é um crime público, que deve ser denunciado. Até para que a mensagem que seja passada aos filhos, é que a violência doméstica deve ser travada. Ninguém merece viver infeliz um dia, quanto mais durante anos. O agressor tem a capacidade de manipular tanto a vítima, que esta fica a acreditar que tem culpa, e até que possa mudar. Mudar o quê? Claro que não. O agressor só muda de atitude quando a vítima sair de casa e, mesmo assim, não se conformando acaba por perseguir e ameaçar matar toda a família. E assim tem acontecido todos os dias.

Felizmente, a vida da “Lurdes” teve um final mais feliz do que muitas das mulheres e homens assassinados. Durante o seu “mau casamento” foi juntando dinheiro, e quando viu que a sua vida e a dos seus filhos estava em perigo, fugiu. Para trás deixou anos de sofrimento, anos investidos numa casa da qual agora estava a abdicar. Deixou tudo para salvar o seu bem mais precioso: a vida.

A “fatura” daquele relacionamento com o seu maior inimigo foi cara: muitos hematomas, muitos dentes partidos, muitas estaladas, muitos abusos sexuais, muito choro, muito sofrimento, muita vergonha. A sua autoestima ficou reduzida a zero, tal como o amor-próprio e a autoconfiança. Os filhos nunca receberam do pai o carinho e o amor que tanto precisaram. Ficaram marcados por anos a tapar os ouvidos, para tentarem evitar ouvir tantas discussões, e a ver a mãe a ser espancada milhares de vezes por aquele monstro. Cresceram com dor, e com dor vão continuar a viver a vida. Para se curarem serão necessários muitos anos de terapia, e mesmo assim talvez nunca recuperem verdadeiramente.

Terão de aprender a viver com ela. Depois disso, ou refletem nos seus pares a continuação da violência física e emocional, ou quebram esse ciclo e tratam os seus companheiros como devem ser tratados: com amor e empatia.

Atualmente, ela separou-se (há uns anos) do marido, ganhou independência financeira para comprar uma casa e dar formação académica aos filhos. Está mais feliz, confiante e aprendeu a gostar de si.

O meu apelo é que aprendas a gostar de ti o suficiente para não permitires que te tratem mal, seja quem for. Tu não mereces que te batam, nem que levantem a voz para mandar em ti. Tu não és propriedade de ninguém. Ninguém é de ninguém. Aprender a respeitar-te é o princípio da FELICIDADE. E quem gostar de ti, vai aceitar-te. Se não aceitarem, é porque não merecem estar ao teu lado.

“Se eu não gostar de mim, quem gostará?”

Cuida de ti… com amor. Sê feliz… com os outros. Sê feliz… contigo.

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