A mãezila!
Olá, eu sou a mãezila! Com certeza que já me conhece! Aliás poucas pessoas terão passado pela vida sem ouvir falar de mim ou sem ouvir o meu rugido. Já houve muitos a escrever sobre mim, ora oiça estes versos da canção “José” do Miguel Araújo: “Até que um rugido muito enfurecido fez tremer todo o jardim/Será que é ciclone, algum dragão com fome ou bicho muito mais ruim?/ Era a voz da minha mãe a perguntar por mim.” São sobre mim e ainda bem, porque eu mereço.
E porque é que mereço? – pergunta você. Que estranho, parece mesmo que nunca ouviu falar de mim… Em que mundo anda, é uma pessoa atenta ou olha para o lado quando a realidade se cruza consigo?
Ora bem, então eu explico. Eu sou aquela mãe que dia após dia, sem pausas, férias, feriados, domingos ou descansos acorda durante a noite para mudar fraldas, dar biberões, acalmar choros, dar colo. Depois acordo cedo, quando todos ainda dormem, e preparo o pequeno-almoço – ao qual as crianças vão apontar defeitos. Levo as crianças à escola, quando já são maiorzinhas ou então fico em casa com elas, quando são pequenas. Além disso, tenho o meu trabalho, que pode ocupar mais ou menos horas do meu dia, mas ao qual somo um ror de tarefas intermináveis – mesmo intermináveis, não é só uma expressão: quando acabo de arrumar um monte de roupa, há um outro na máquina de secar ou no estendal que lhe irá seguir; e quando acabo de cozinhar um almoço, estou já a preparar os alimentos que serão cozinhados no próximo; e quando acabo de passar um amontoado de roupa, há já um próximo em preparação, quer esteja na máquina para lavar, ou na de secar, ou ainda no cesto da roupa suja, mas já existe; e quando – feliz, tão feliz – vejo o fundo do cesto da roupa suja, sei que esse fundo será coberto, num abrir e fechar de olhos, com as roupas sujas daquele dia; e quando acabo de arrumar a casa, sei que ela já não se encontra arrumada tal como a deixei há segundos atrás, há já um brinquedo, uma peça de roupa, um copo, um prato ou uma toalha poisados ao-deus-dará, que é mesmo que dizer à-mãe-fará.
E faço tudo isto com um sorriso, pergunta você? E a resposta é nim. Às vezes sim, outras vezes não, porque eu não sou santa (como eu gostaria de saber ser santa!). Muitas vezes esta roda-viva traz à luz do dia a fera que habita em mim, aquela que ruge mais alto, mostra garras e corre a velocidades impensáveis. Mas é esta fera que me traz a força para continuar apesar de tudo, mesmo quando a energia se esgota e o desejo era encostar a um canto, em posição fetal, e esperar que tudo passasse e eu pudesse voltar para a caminha e dormir oito horas ininterruptas. Mas esta fera faz mais do que isso, ela é valiosa, ela faz com que eu – ou outra mãe qualquer – seja capaz de enfrentar tudo por um filho: dias frios e chuvosos em que cedemos o guarda-chuva aos nossos amores e chegamos ao trabalho a pingar; noites acordadas a embalar e aconchegar a criança que está doente; a coragem de dizer não quando sabemos que é o melhor para eles, ainda que sintamos a alma a quebrar por dentro pela tristeza que lhes causamos; capacidade para ouvir, “quase” sem perder o fio à meada, uma história contada por uma criança de 6 anos; força para enfrentar qualquer pessoa que ameace o bem-estar físico dos nossos rebentos; capacidade para conter lágrimas, que teimam em pular dos olhos, quando ouvimos as inevitáveis palavras “a mãe é má!”; paciência para, logo pela manhã, responder a milhentas questões e ouvir reclamar da roupa; resistência para cumprir, dia-após-dia, a rotina vencedora que irá treinar uma criança a deixar a fralda; perseverança para fazer os petizes comer o que devem e não só que querem, quase 365 dias por ano.
Esta fera é valiosa e também ela não faz pausas, não tira férias, está sempre lá, pronta para saltar do seu canto e pôr tudo a mexer, tudo a seguir o caminho devido, com a celeridade o mais parecido possível com a necessária. E esta fera não habita só em mim, desconfio que todas as mães a têm. Umas permitem que ela ruja mais alto, outras filtram o seu rugido e o que passa cá para fora assemelha-se mais ao ronronar de um gato, mas ela está lá em todas, pronta, toda nervos e músculos e força capaz de saltar, arranhar, rugir e correr conforme o que for preciso.
Ser uma mãezila tem muito que se lhe diga, ninguém nasce ensinada e, no entanto, quando nasce um filho, nasce uma mãezila quase como por magia.
Texto de Helena Barreto Ferreira
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