64 anos
Em 1822, na primeira instituição parlamentar – Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, foi apresentada uma proposta interessante: o direito de voto para as mulheres com 6 filhos legítimos. Esta proposta fundamentava-se na injustiça de privar as mães de poder influenciar quem as representaria, defendendo que as mulheres não eram inferiores em capacidade política, enfatizando as suas contribuições desde a educação inicial até aos momentos cruciais de patriotismo e coragem. Contudo, a proposta foi rejeitada em Parlamento.
Em 1911, as capas dos jornais portugueses e europeus narravam um acontecimento histórico: Carolina Beatriz Ângelo, uma das primeiras médicas portuguesas, tornou-se a primeira mulher a votar em Portugal. A lei permitia que votassem todos os portugueses maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever ou fossem chefes de família. Carolina, viúva e chefe de família, além de alfabetizada, era uma mulher informada e, por isso, exerceu o seu direito ao voto. Naquele momento, Carolina deixou claro que a mulher tinha direito a votar e a ser votada.
Mas nem tudo foi um mar de rosas… Sentindo-se ameaçados pela participação da mulher na vida pública, em 1913 sai uma correção na lei eleitoral esclarecendo que apenas podiam votar cidadãos do sexo masculino maiores de 21 anos, alfabetizados e residentes no território da República Portuguesa.
Mais de um século depois, em 1931, as mulheres portuguesas conquistaram o direito ao voto, porém com limitações significativas. Apenas podiam votar as mulheres que frequentavam o ensino superior ou fossem consideradas “chefes de família”, um termo que abrangia as viúvas, divorciadas ou separadas que tivessem família própria, assim como mulheres cujos maridos estivessem ausentes nas colónias ou no estrangeiro. Não podemos ver isto como uma vitória, pois isto significava que apenas uma maioria restrita de mulheres podia efetivamente votar. Em 1933, a lei foi ampliada para conceder o direito ao voto a mulheres solteiras, maiores e emancipadas, que vivessem inteiramente por conta própria e tivessem dependentes a cargo.
É relevante notar que a capacidade eleitoral das mulheres portuguesas, assim como a dos homens, era determinada pela condição de chefe de família.
Enfrentando o desafio do voto feminino durante o regime ditatorial, em 1968, Marcelo Caetano tentou reduzir a discriminação sexual com o alargamento do número de votantes a todos os que soubessem ler e escrever. Algumas mulheres passaram a ter permissão para votar devido a mudanças leves na lei eleitoral, mas a limitação persistia para a grande maioria das mulheres portuguesas.
Apenas a partir de 1974, as mulheres finalmente estavam livres para exercer o seu direito ao voto, sem qualquer tipo de restrições. Olhando para todo esse processo histórico, após anos de voto sob condições limitadas, foram necessários quase 64 anos (desde 1911 até 1974) para que as portuguesas pudessem votar livremente.
O voto feminino não é apenas um direito, mas uma conquista histórica que deve ser honrada e protegida. Em tempos de eleições, é imperativo que as mulheres portuguesas reconheçam o legado de luta que as precedeu e exerçam o direito ao voto com plena consciência de poder que ele representa.
Nunca foi tão importante viver em democracia e, como tal, é crucial valorizá-la. Portanto, a participação política de todas as vozes é fundamental para garantir um futuro mais justo e igualitário.
Votar é falar. Votar é escolher. Votar é direito. Votar é dever.
Vanessa Miranda
Mestre em Património Cultural | Guia em Lisboa
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